Contra a Interpretação, de Susan Sontag. Texto bastante denso e provocativo. Na visão da autora: é uma ilusão acreditar que algo chamado “conteúdo de uma obra de arte” realmente exista. O projeto da interpretação é “em grande parte reacionário, asfixiante”. A “efusão das interpretações da arte […] envenena nossa sensibilidade”. Interpretar é “recusar deixar a obra de arte em paz”, é violá-la. Interpretar uma obra de arte é pressupor que uma obra de arte possui conteúdo e, pressupor que uma obra de arte possui conteúdo constitui, por sua vez, uma violação da arte.
Arte é o caráter imediato, puro, intraduzível. Por isso, a autora defende, por exemplo, que o cinema é “a mais viva, a mais excitante, a mais importante de todas as formas de arte” pois realiza uma aparência tão “unificada e limpa”, cujo “impulso é tão rápido”, cujo “discurso é tão direto”, que a obra é “exatamente o que é”.
A autora defende que o cinema, “ao contrário do romance”, possui um vocabulário de formas: “a tecnologia explícita, complexa e discutível dos movimentos de câmera, da montagem e da composição do quadro que faz parte da feitura de um filme”.
Trata-se, ao meu ver, de visão bizarra. Primeiro, porque discordo profunda e absolutamente que o romance não possui um vocabulário de formas. Segundo, porque a autora parece reduzir a discussão artística a uma aparente discussão de caráter puramente técnico — o que me é repulsivo, ainda que coerente com o que, implicitamente, ela parece defender: a limitação da crítica à forma. Por mais que defenda ao longo do texto que sua posição não configura uma posição estritamente formalista, confesso que não consigo não vê-la assim.
Apesar de tudo, compartilho de muitos traços da filosofia da autora. Em especial, no que tange o estilo. Concordo que artistas possuidores de estilos demasiadamente intrincados, herméticos e exigentes são insinceros e provam suas ingerências sobre seus materiais, que poderiam ser transmitidos em estado puro.
Também concordo que “a ideia de uma arte sem estilo, transparente, é uma das fantasias mais persistentes da cultura moderna”, que um artista não tem a “opção real de ter ou não ter um estilo” e que o estilo “não é quantitativo”, assim como não é algo “acrescentado”.
Gosto da distinção que ela faz entre “estilo” e “estilística”/“estilização”, de modo a permitir que uma “convenção estilística mais complexa” não signifique “mais estilo”. Assim, “não existem obras de arte sem estilo, existem apenas obras de arte que pertencem a diferentes tradições e convenções estilísticas, mais ou menos complexas”.
O texto possui muito conteúdo, sendo impossível a tudo estressar aqui. A autora continua: percorre ainda pela discussão das relações entre ética e estética. Busca livrar a arte do julgamento ético e defende que seja avaliada apenas por sua estética — o que é, claro, perfeitamente coerente à sua defesa da forma contra o conteúdo.
Surpreendentemente, concorda com Ortega y Gasset: “uma preocupação com o conteúdo humano da obra (de arte) é em princípio incompatível com o julgamento estético”. E depois desenvolve a ideia de arte como expressão da “vontade”.
Apesar da defesa das artes autônomas — vazias de significado — a qual subscreve, concebe que estas artes podem ser examinadas como fenômenos “historicamente especificáveis”.
Em resumo, nas palavras da autora: “A minha reivindicação é a da autonomia da obra de arte — sua liberdade de não “significar” nada”.
Interpretações são possíveis: enquanto direcionadas à forma (não ao conteúdo!) e a fenômenos especificáveis que refletem “vontades históricas”.