Curioso que uma leitura atenta de A Riqueza das Nações mostra que, ao mesmo tempo que Adam Smith defendia o interesse próprio como o melhor regulamentador dos assuntos públicos, acreditava que os agentes não compreendiam quais eram — sob uma perspectiva estritamente econômica — seus próprios interesses.
Com efeito, Smith ilustrara isso não apenas criticando, na obra, bancos por terem em determinadas ocasiões expandido demasiadamente a circulação de moeda — argumentando ter essa medida agido contra os próprios interesses bancários; como também criticando mercantilistas por terem taxado determinadas mercadorias até tal ponto que o contrabando resultante arruinara seus próprios negócios — o que evidentemente a eles não interessava.
Todavia, isso de maneira alguma configura contradição: apenas demonstra que o estereótipo de Smith como defensor incondicional da livre busca dos agentes por seus “interesses próprios” é simplesmente incorreto e denota profundo desconhecimento do pensamento e da obra do autor.
Isso posto, é natural que surja o questionamento: Adam Smith oferece solução? Quem, então, salvará o agente de sua própria ignorância? Ou: seria o equilíbrio atingido a despeito desses ruídos informacionais?
Aparentemente, Smith não acreditava na possibilidade de um equilíbrio espontâneo. Mas também, nem por isso, defendia a repressão da busca dos agentes por seus interesses próprios. Acreditava numa possível mudança gradual conduzida por cientistas e legisladores, que teriam como principal papel iluminar os agentes para os seus interesses reais.
A própria Riqueza das Nações enquanto obra tinha como uma de suas intenções práticas “iluminar” os agentes neste sentido — daí, em parte, a razão do nome original da obra: Investigação acerca da natureza e das causas da Riqueza das Nações. Smith acreditava que, explicitando através de seu tratado científico a verdadeira natureza e as causas da riqueza das nações, conseguiria indicar aos legisladores a direção que deveriam “iluminar” os agentes a fim de perseguirem seus reais interesses. Mas deixava claro: tratava-se de outra questão se os agentes escolheriam ou não caminhar nessa direção.
No fundo, os jogos de incentivos que economistas propõem até hoje não diferem muito do que Smith propunha. Trata-se de conduzir os agentes, por meio de incentivos, a decisões corretas que, na ausência de tais incentivos, não se efetivariam. Na ocasião, contudo, o incentivo que Smith propunha parecia ser o simples “informar”; as informações seriam oferecidas pelos cientistas e legisladores e aos agentes caberia a livre decisão de utilizá-las ou não.